Categorias
Projetos

Seis coisas que os plantadores me ensinaram

Nestes tempos marcados pelo vírus e o fogo, temos que buscar histórias que nos devolvam a força a esperança. As iniciativas apresentadas na última semana, durante o I Encontro Nacional de Plantadores de Árvores foram isso: uma lufada de ar puro na hora certa.

O evento online, realizado entre 21 e 25 de setembro, foi organizado pelas entidades Plantio Brasil, Movimento Regenerativo Tempo de Plantar, Movimento Nacional ODS Sergipe, Instituto Arvoredo e Arboristas Urbanos. Ele promoveu painéis temáticos e reuniu 23 depoimentos de plantadores de vários biomas. Segundo Carlos Humberto, do Plantio Brasil, a ideia do encontro era dar visibilidade a essas iniciativas, destacando o seu papel na educação ambiental. “Ele também visava mostrar que o plantio de árvores promove tanto o bem estar individual como o coletivo”, diz.

Eu acompanhei todas as apresentações da área de Mata Atlântica para coletar histórias e ideias para o Projeto Nova Mata, um mapa de iniciativas de recuperação do bioma e dos recursos disponíveis para quem quer atuar nessa área.

Alguns temas emergiram dessa maratona, que eu tento resumir aqui:

1) Tem plantador de todo tipo – mas todos com algo em comum

O perfil dos palestrantes variou muito e incluiu profissionais da área ambiental e agroflorestal, professores de escolas públicas, acadêmicos, técnicos em informática e até um revendedor de partes de carros usados. Lucimar Incerti, do Projeto Renovar, de Campos Gerais, MG, financia seu viveiro com a venda de materiais antes descartados pela sua loja.

A maioria tem um ponto em comum: uma relação sentimental com o verde, lembranças do contato com a terra durante a infância. Houve quem relatasse saudades das visitas aos avós que tinham pomar e os que aprenderam a plantar com os pais, como Eduardo Dantas, do Clube da Árvore de Tupã, SP. Com um detalhe importante: seu pai, um imigrante português, trabalhou durante anos com extração de madeira e converteu-se num grande plantador mais tarde na vida, inspirando o filho.

Há também quem descubra o amor à natureza nas práticas desportivas. É o caso de Isabelle De Loys, bicampeã mundial de bodysurf, do Grupo Patativas, que criou um corredor verde ao longo de sete quarteirões do Recreio dos Bandeirantes, no Rio. Esse também foi o caminho de Antonio Carlos Aranha Ruas, criador do EcoFritz, evento anual que combina a escalada da Pedra do Fritz, em Nanuque, MG, e o plantio de árvores no Vale do Mucuri.

O perfil dos plantadores foi, justamente, o tema da palestra de Fábio Nascibem, doutorando em educação ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que falou sobre protagonismo ambiental em práticas de arborização, a sua pesquisa de mestrado. Nascibem confirma que os plantadores costumam ter uma sensação de pertencimento e conexão com a natureza. Ele descreve este grupo como sendo predominantemente masculino, com apreço pelos saberes tradicionais e mais distante da cultura do dinheiro e do consumo.

2) Fruta é ouro, ipê é sexy

Muitos dos projetos priorizam o plantio de espécies frutíferas. É fácil entender o porquê. Não é todo mundo que se sensibiliza com o papel das árvores no sequestro de carbono ou a proteção dos mananciais, vantagens mais abstratas. Mas a ideia de colher seu próprio araçá, jambo ou pequi seduz qualquer cidadão. Que o digam Paulinho Aleluia e Antônio Candido, do Pomar BH. Eles procuram espaços vazios em escolas e áreas públicas de Belo Horizonte para plantar mamão, laranja e outras espécies frutíferas. Têm encontrado mais e mais receptividade, tanto por parte dos alunos, quanto de professores e diretores.

Os frutos também são essenciais para atrair animais, sobretudo aves. “Plantar árvores frutíferas e com flores com néctar é como plantar pássaros”, diz Maria Isabel Zimmermann, do projeto Plantando Pássaros, de Caucaia do Alto, na Grande São Paulo.

Os plantadores, aqui e ali, também demonstraram predileção pelos ipês – e se gabaram de colecionar toda a paleta de cores. A espécie tem, inclusive, papel central em uma das iniciativas apresentadas, o Festival do Ipê, de Belo Horizonte, projeto que mescla produção de mudas, arborização urbana e educação ambiental.

Dito isso, muitos palestrantes frisaram que é importante dar preferência a espécies típicas do local, mais adaptadas ao clima, ao solo, e às necessidades da fauna dali. “Quem planta nativa não erra”, diz Márcia Catunda, da Associação dos Amigos do Parque , de Cotia, parceira das iniciativas de Maria Isabel Zimmermann.

3) Vandalismo é uma realidade universal

Não importa se você está na Bahia ou no sul do País, em metrópoles ou cidades pequenas. A maioria dos plantadores relata casos de resistência às suas iniciativas e, porque não dizer, de sabotagem.

A agressão às mudas manifesta-se de várias formas. Pode ser via descarte de lixo ao pé da planta ou a impermeabilização da área em volta do tronco. É o tal “sarcófago de cimento”, na expressão do biólogo Alessandro Magalhães, o Alê ZN, dos Arboristas Urbanos, que atua na Zona Norte do Rio. Ele lembra que o cimento impede que as árvores recebam água e fertilizantes. Sufocadas, as raízes não conseguem se expandir e viram alvo de cupins. Mas é provável que a maior ameaça às árvores usadas no paisagismo urbano seja a poda drástica, executada sem perdão pelas equipes de manutenção de vias públicas e fiação telefônica.

Uma das histórias mais tocantes veio de Eduardo Dantas e Ayeda Sanches, do Clube da Árvore de Tupã, SP. Após um plantio com a participação de crianças, que deixaram placas com os seus nomes junto às mudas, a área foi roçada na íntegra, deixando as placas jogadas e os pequenos plantadores desconsolados.

4) Educação é o começo, o fim e o meio

Para um plantio dar certo, é essencial engajar a população vizinha. Ela tem que se sentir como parte da iniciativa, regando e cuidando da muda nos seus primeiros anos, cruciais para a sua sobrevivência. “Se planejamos para 6 meses, plantamos cereais. Se planejamos para 10 anos, plantamos árvores”, diz Pedro Belga, do Projeto Uçá, uma ampla iniciativa de recuperação dos mangues na Baía de Guanabara. “Mas se planejarmos para 100 anos, teremos de preparar pessoas”.

Os palestrantes também insistiram na absoluta necessidade de chamar as crianças a participar, para que elas incorporem o hábito de plantar em suas vidas. Nesse sentido, merece destaque o Projeto Adote uma Árvore, desenvolvido por professores da Escola Estadual Job Pimentel, de Mantenópolis, ES. Deusynéia Rodrigues e Rodrigo Martins contaram como cada criança da primeira série recebe de 3 a 5 mudas e fica responsável pelo seu cuidado por dois anos. Elas têm de encontrar um local para o plantio, em sua casa ou na de algum conhecido, tirar fotos e fazer relatórios periódicos sobre como a árvore prospera. “A gente só defende o que conhece, se vê o significado”, avalia Martins.

Um outro projeto, Bosques de Heidelberg, desenvolvido há 20 anos pela pioneira Apremavi, de Santa Catarina, engaja jovens tanto no plantio quanto no levantamento de recursos. Carolina Schäffer conta como estudantes da Alemanha arrecadam dinheiro com vendas de biscoitos ou a solicitação de e que doações sejam feitas como presente de aniversário. Esses recursos foram usados para apadrinhar parte das 110 mil árvores já plantadas pelo projeto.

Importante notar, também, que os plantadores não resumem as suas atividades educacionais ao plantio. O Pomar BH, por exemplo, leva uma especialista em minhocas aos seus eventos e discute a reciclagem de resíduos (e como dar vida ao plástico descartado pelas famílias, transformado em regadores e gotejadores de alta eficiência).

5) Comida, música e alegria

Operações de plantio costumam envolver muita gente. Não dá para plantar em escala sem a participação de voluntários e o apoio de patrocinadores e dos órgãos públicos. E o plantio, em si, é o coroamento de semanas ou meses de planejamento e articulação.

Muitas organizações transformam esse momento numa festa comunitária, trazendo músicos e doces, organizando jogos e aulas de ioga, para associar as árvores ao prazer e à alegria. “Sempre fazemos uma celebração nessa hora, depois de 30 dias de transpiração”, conta Sérgio Shigeeda, organizador de hortas comunitárias e do Plantio Global, ação anual de plantio coletivo na cidade São Paulo. “Isso é muito importante, uma referência para os plantadores”.

6) A paisagem é monótona – mas não precisa ser

O paisagismo brasileiro peca pela monocultura, a despeito da abundância de árvores vistosas em todos os biomas brasileiros. Veja, por exemplo, esta lista de uma centena de variedades ornamentais que a Embrapa recomenda para a recuperação de áreas de Mata Atlântica.

Mesmo assim, as prefeituras optam por umas poucas espécies, muitas vezes incompatíveis com o bioma local. Alê ZN, do Rio de Janeiro, conta de um levantamento que fez sobre a variedade de espécies nos bairros onde atua Em algumas regiões, a metade das árvores era de apenas três espécies.

José Truda Palazzo, ambientalista histórico, que apresentou o seu projeto Oásis Urbano, desenvolvido em Mata de São João, na Bahia, lembrou que o Brasil tem uma longa história de paisagistas sintonizados com a flora brasileira, preocupados em escolher árvores capazes de atrair pássaros. Ele citou o pioneiro Burle Marx, mas também Fernando Chacel, Eduardo Barra e José Tabacow. “Mas a gente vai de Porto Alegre a Manaus e sempre vê os mesmos buxinhos e ciprestes”, diz. Uma de suas principais inspirações é o japonês Akira Miyakawa, conhecido pela criação de florestas particularmente densas em áreas antes descobertas. Truda Palazzo está replicando esse conceito numa faixa de restinga do lado de sua casa, deixando pouco espaço entre as árvores. Dentre as vantagens desse sistema, ele indica uma maior proteção da fauna nativa, que ali encontra refúgio contra os gatos do bairro.

Enfim, esta é a minha leitura. E você, o que você aprendeu durante o I Encontro Nacional de Plantadores de Florestas? Deixe um comentário contando a sua história.

A organização saiu do encontro com algumas ideias para o futuro próximo. Dentre elas:

  • Criação de uma Rede Brasileira/Nacional dos Plantadores de Árvores
  • Promoção de uma live semanal, às segundas-feiras à noite, sobre temas de interesse da rede
  • Realização da segunda edição deste encontro no Espírito Santo e online
  • Publicação eletrônica dos anais do evento
  • Produção de documentários a partir das apresentações
  • Estimulo à formação de Comitês de Plantio de Árvores & Hortas ou Clube de Árvores em cada cidade do Brasil

28 respostas em “Seis coisas que os plantadores me ensinaram”

Que matéria sensacional! E foi só uma pitada do todo. O 1° Encontro Nacional dos Plantadores de Árvores do Brasil foi um sucesso. Isto já é fato! Mas não é obra do acaso. Isto é resultado de um outro fato: ele foi idealizado a partir de algumas premissas:
1. Dar visibilidade a pessoas e instituições de suas ações e projetos de plantio de árvores.
2. Reconhecer o papel de educadores ambientais das pessoas que executam ações de plantio de árvores.
3. Mostrar que o plantio de árvores promove tanto o bem estar individual como o coletivo.
4. Integrar, no mesmo espaço, os saberes populares, técnicos e cientificos da restauração florestal, seja urbana ou rural, a partir de pequenas ou grandes ações e projetos.
5. Ser uma ação contínua de iniciativa total da sociedade civil, desde sua concepção, organização e realização.
6. Ser um exemplo de que realizar algo em parceria tem resultados sólidos e concretos para todos. Todos ganham!!

Uma iniciativa feliz e próspera, a alma humana replica o que é bom. Os plantadores de arvores fornecem ao planeta o vigor da propria ação de plantar vidas, parabéns ao Carlos Humberto de Oliveira pelo seu pioneirismo no encontro nacional daqueles que tem como hobby ou paixão, Plantar Árvores.

Foi de grande valia participar deste 1¤ Encontro Nacional de Plantadores onde houve um debate intenso sobre arborização e sensibilização ambiental, seus avanços e dilemas. As apresentações dos projetos que acontecem em várias regiões do país permitiu aos participantes uma rica troca de experiência e criou a possibilidade de integração para formar novas parcerias e disseminação de práticas para o plantio de árvores.
A equipe organizadora foi extremamente acolhedora e aberta á aceitação de um “formato livre” de apresentação de projetos. Foi muito enriquecedor ver desde os projetos mais elaborados e embasados cientificamente dentro de Universidades ou Instituições já consagradas; até os projetos realizados de forma intuitiva que acontecem efetivamente, e que também agregam tantos benefícios ao meio ambiente.
Parabéns à todos os envolvidos!!!

Valeu, Carlos, o evento foi inspirador. Espero participar de muitos e muitos encontros e acompanhar as iniciativas do Plantio Brasil nos próximos anos.

Projeto fantástico, me inspira mais a levar um projeto que tenho na minha cidade

Muito honrado de ter participado deste evento. Parabéns ao movimento Plantio Brasil, a toda a sua equipe e todes que trouxeram ainda mais luz à importância de plantar árvores. Vcs todes, fazem parte da galera do bem! Gratidão!

Pedro, achei o máximo o seu trabalho. Quero escrever mais sobre recuperação de mangues aqui no Nova Mata. Espero te procurar em breve para pegar mais informações sobre o Projeto Uçá

Esse é um dos movimentos mais importantes para o planeta. Li aqui histórias fantásticas q nós enche de esperança. Uma corrente formada por pessoas do bem, que fazem parte de uma nova sociedade humana que busca o bem coletivo acima de tudo.

Parabéns a todos que participaram desse evento, o que vcs fazem é maravilhoso, e que venham muitos frutos, flores, pássaros….. Ver projetos tão lindos em tempos em que o meio ambiente é tratado com tanto descaso, nos faz acreditar no futuro!!! Amo em especial o Projeto Pomar BH, obrigada por me proporcionar ver de perto ações que estimulam crianças a amar o meio ambiente e ensinar pra essa nova geração que as frutas não nascem nos supermercados RS!!!

Fantástico , a matéria mostra o quanto o evento foi importante na integração de todos que lutam pelo reflorestamento , cada um com sua dedicação e principalmente com o objetivo maior de educar o próximo.
Parabéns ao incansável Carlos Humberto , sempre motivado para fazer acontecer na recuperação ambiental !

Parabéns pela matéria, ela resume tudo que aconteceu, esse evento, veio pra ficar. Mostrou que nosso planeta tem anjos e guardiões, que existe esperança para o o futuro das matas. Parabéns aos organizadores!

Excelente resumo do evento. Muitas ideias, histórias e conhecimentos passados para os entusiastas da causa. Estarei presente para mais aprendizado e ajuda. Procurei, peguei e fiz mudas para começar a prática.

Parabéns a todos pelo evento. Precisamos de mais divulgação, diálogo e conscientização sobre a importância do plantio de árvores, pois uma árvore e como umas crianças demora a crescer vem o fofo e destrói em segundos.

Uma reportagem super abrangente do evento! Foi realmente espetacular assistir a tantos depoimentos entusiasmados, experiências incríveis e convites contagiantes para plantios! Adorei representar o grupo das Árvores Arteiras no Encontro… uma árvore a mais é sempre bem-vinda! Parabéns pra todos!

O evento foi inspirador e nos permitiu conhecer gente que faz, gente que é inspiração, gente que faz a diferença. Eu fiquei muito feliz em participar desse momento.

Que privilégio ter acesso a informações tão ricas e de um contexto tão ignorado por muitos, ainha gratidão a todos os envolvidos!
Amei o projeto de envolvimento das crianças, entendo que é super necessário tornar essa prática como rotina diária nas vidas de todos nós. Plantar uma árvore é dar chances à vida de se renovar na medida que crescemos e xingamos para o futuro que queremos ter, com qualidade!

Parabéns ao Carlos Humberto e equipe pelo incentivo da preservação a natureza…cuidando e preparando o outro para manter o equilíbrio ambiental. Foi uma semana proveitosa e enriquecedora onde pude sensibilizar-me ainda mais sobre a responsabilidade social e a presença ambiental que tem como significado um compromisso com a vida individual e coletiva. Um merecido troféu para os colaboradores!

Belíssimo trabalho . O mundo necessita de iniciativas e pessoas assim 👋👋👋

Ah como é importante conhecer e nos relacionarmos com a natureza! Parabéns a todos pela dedicação nos projetos em prol de salvar este mundo e que ele volte a ser melhor 🙏🏼
Maravilhoso trabalho 👏🏻👏🏻👏🏻
Meu sonho é viver em harmonia com essa natureza maravilhosa!!!!

Parabéns Carlos Humberto pelo excelente trabalho com sua equipe mostrando que podemos e devemos preservar o Meio Ambiente e tudo em su volta.
Continue nessa caminhada….
Abraços querido amigo!!!

Precisamos desenvolver a cultura de plantar e menos de cortar!

Parabéns pela repoetagem.Resumiu muito bem e essa tambem foi a minha leitura. Conheci varias iniciativas que nao conhecia e pretendo fazer intercambio. Temos q ter uniao e fortalecer esse movimento a nivel Brasil. Parabens Carlos Humberto!!! Logo logo vem o Plantio Glibal 4 e conto com vc para maior divulgação pois podemos plantar simuktaneo em todos os nossos biomas. Seremos a mudança que queremos para o planeta!!!!

Este encontro alimenta nossas forças e esperanças por nosso país. Obrigada!!! Gostaria de ser voluntária. Pensei no Projeto Uçá que é no Rio de Janeiro onde moro. a recuperação da Mata Atlântica também me interessa muito. Posso ser útil?

Os comentários estão desativados.