A paixão do francês Thierry Mabboux pela Mata Atlântica se converteu numa série de iniciativas com foco na disseminação de frutíferas nativas altamente ameaçadas. Ele e o amigo Mathieu Fontaine, radicados no Rio há cerca de 20 anos, ajudaram a criar pequenos pomares nos morros cariocas, organizam eventos em escolas e estão implantando uma coleção de variedades escolhidas a dedo, por terem quase desaparecido, numa área em Silva Jardim, no interior do estado.
O projeto começou em 2011, quando Mabboux passou a guardar sementes dos frutos que comia e a produzir mudas na sua casa, no bairro de Santa Teresa, onde mora. Intrigada pelas plantas, sua faxineira, Vera dos Santos, deu ao francês a ideia de plantar um pomar no Morro do Querosene, onde ela morava. Com autorização das forças que dominam a comunidade, Mabboux e Fontaine forneceram mudas, que eram plantadas pela comunidade local. As primeiras espécies eram limoeiros e mexeriqueiras, mas aos poucos a dupla começou a focar em espécies nativas: araçás de várias cores, grumixama, cambucá, guabiroba, pitangatuba, cabeludinha e cambuí-roxo, particularmente atraentes para a fauna silvestre.
Com o passar do tempo, levaram esse conceito de pomar ubano para outras comunidades da cidade: a Favela de Guadalupe e no Morro dos Prazeres.
O nome do projeto é uma referência ao filósofo iluminista Voltaire, que associa o cultivo da alma humana comparável ao cultivo de um grande jardim. Esse elemento educativo está presente em uma atividade paralela da dupla: palestras associadas a plantio de espécies nativas, promovidas em escolas da comunidade francesa no Rio e em São Paulo. Essas atividades buscam promover uma conexão dos estudantes com os ciclos da Natureza e seu impacto na alimentação. O objetivo de Mabboux é levar esses eventos para um número maior de escolas.
Eu sempre tive uma relação muito forte com a Mata Atlântica. Sou filho de fazendeiro e sei fazer as plantas crescerem. Mas eu tenho formação de artista e sempre trabalhei na indústria do luxo, como as marcas Chanel e Nina Ricci. Hoje a minha visão do que é o luxo mudou. Entendo que luxo de verdade é o acesso ao silêncio e à riqueza biológica.
Veja só: o cambucá era a fruta mais popular do Rio há um século, mas hoje só encontramos seis indivíduos férteis na cidade do Rio. Precisamos criar hortos de árvores frutíferas em diferentes áreas do país para ajudar a diversificar a sua genética. Mas quem planta tem que ter paciência. Há 5 anos plantei uma jabuticaba branca no meu escritório, e ela ainda não está dando frutos.
Thierry Mabboux, em entrevista ao Projeto Nova Mata, 12/4/2021
A iniciativa está implantado um projeto-piloto de horto na Fazenda Monte Cristo, em Bom Jardim, no interior do estado do Rio. A propriedade, dedicada à produção agroflorestal de alimentos orgânicos, pertence à amigos da dupla, que disponibilizaram uma área degradada para o plantio experimental.
O local está sendo restaurado com uma série de árvores frutíferas raras, a partir de sementes obtidas em diferentes áreas da Mata Atlântica. Um dos focos desse projeto é o cambucá, espécie que atravessa particular enfraquecimento genético. Para contornar esse problema, os dois franceses tiveram de buscar sementes na Ilha Grande e na serra de Nova Friburgo, no estado do Rio, e também no estado de São Paulo.